Celebrando a Riqueza da Cultura Cubana: Uma Entrevista com Maria do Carmo Luiz Caldas Leite

No dia 20 de outubro, a cidade de Santos se prepara para uma celebração especial em homenagem ao Dia Nacional da Cultura Cubana. Este evento, que ocorrerá na data emblemática, é um tributo à rica herança cultural de Cuba e uma oportunidade para compartilhar e apreciar os aspectos únicos que definem a identidade artística e histórica deste país caribenho. Nesta entrevista, conversamos com Maria do Carmo Luiz Caldas Leite, Doutora em Educação e Vice-presidente da Associação Cultural José Martí da Baixada Santista. Autora do livro “Cuba Insurgente”, Maria do Carmo nos guia através dos desdobramentos históricos que moldaram a cultura cubana.

Vamos explorar a influência dos colonizadores espanhóis, o papel da renomada bailarina Alicia Alonso no balé cubano, o incentivo do governo revolucionário à cultura de qualidade para todos os trabalhadores e a comparação entre o samba brasileiro e a salsa cubana. Convidamos você a mergulhar na riqueza da cultura cubana e na sua relação com o mundo.

A cultura cubana é conhecida pela sua riqueza e diversidade. Qual a influência que os colonizadores espanhóis tiveram na formação da cultura nacional?

Quando se fala em cultura, sempre são fundamentais as palavras do herói nacional cubano, José Martí (1853 – 1895): “Nenhum povo é dono do seu destino se antes não é dono de sua cultura”. A colonização trouxe aos povos originários de Cuba a imposição cultural, que deitou raízes até os dias recentes. Uma lenta e profunda tarefa de séculos, caracterizada por mesclas de diferentes sangues, tradições, sonhos e conflitos, coagulou a sociedade cubana. Na elaboração societária cubana, dentro do sistema colonial da Espanha, o regime agrário escravocrata, sob cuja fórmula se voltou à especialização produtiva baseada no açúcar, foi o elemento que marcaria a estrutura cultural, econômica, política e social do país de forma definitiva.

Desde a chegada de Colombo, os europeus aprenderam com os aborígines o uso de plantas como alimento e cura. Na esfera espiritual, a cultura cubana deve aos índios a associação do tabaco aos rituais afro-cubanos. A força do culto à Maria em Cuba e a invocação da Virgem da Caridade do Cobre estão relacionadas à Atabeira, mãe do ser supremo na crença dos índios taínos. O lado irônico é que os europeus iniciaram a propagação da imagem selvagem e primitiva dos índios, quando na realidade os colonizadores aproveitaram os seus conhecimentos da flora e da fauna na América.

As tentativas de aculturação como matriz de poder hegemônico, desde a conquista da América pelos europeus, esteve baseada no racismo e na exclusão dos povos nativos, incapazes de suportar as cruéis instituições feudais, que os conquistadores lhes tentaram impor, fazendo-os saltar, sem transição, séculos de história. Contudo, outros fluxos migratórios chegaram a Cuba, esporádicos ou contínuos, originais dos mais variados lugares – africanos, judeus, lusitanos, norte-americanos e até mongóis de Macau e Cantão. Cada imigrante desarraigado de sua terra natal deu uma parcela ao movimento de culturas, que influenciou a formação do povo cubano.

Ao final do século XVIII, estavam criadas todas as condições históricas para a entrada em cena da cultura cubana. A filosofia, a poesia e outras manifestações artísticas estavam a ponto de germinar como expressão autóctone. Mas, independentes do ponto de vista político, as nações latino-americanas foram lançadas em uma dependência estrutural diante das potências capitalistas. O neocolonialismo em Cuba, durante a república mediatizada da primeira metade do século XX, foi marcado pela extrema dependência econômica, pela monocultura do açúcar e pelo predomínio da opressão cultural. Em 1940, o antropólogo cubano Fernando Ortiz (1861 – 1969) cunhou a expressão: “Cuba é um ajiaco”. Para ele, o guisado mais complexo da Ilha, um prato típico popular produzido com uma mistura de carnes imersas em molho com cebola, alho, tomate, salsa, pimenta, sal e limão, poderia funcionar perfeitamente como metáfora da cultura cubana. Os elementos procedentes das distintas culturas são básicos no caldeirão dos trópicos, fundador da “solidariedade cultural cubana” no lugar de uma “homogeneização das diferenças”. O característico da cultura de Cuba é o “cozimento”, um processo de transformação permanente dos produtos na panela aberta, sob fogo dos trópicos, que forjaram um povo resistente, alegre e com uma enorme capacidade de se reinventar a cada dia.

O balé clássico cubano é conhecido mundialmente pela sua excelência.  Qual o papel da bailarina Alicia Alonso no balé cubano?

Alícia Alonso (1920 -2019), a ilustre bailarina cubana, traçou uma órbita artística que fez crescer a integralidade da cultura cubana. Ela superou todas as barreiras que consideravam o balé uma arte exclusiva dos países desenvolvidos, que o físico e o temperamento latinos não se enquadravam nas exigências da dança clássica. Todos esses preconceitos foram demolidos quando Alonso entrou em cena. Impôs seu nome latino, abriu as portas do balé clássico a todos os jovens do nosso continente que sonhavam dançar e colocou o nome de Cuba nos outdoors dos grandes palcos internacionais. Alícia teve colossais triunfos nas mais relevantes companhias e festivais em todo o mundo, sobretudo depois do triunfo da Revolução. Além de sua própria consagração universal, ela fundou um sistema de ensino que hoje abrange toda a Ilha, estimulando um movimento de colaboração internacionalista no campo do balé, que se estendeu a quase cinquenta países da América, Europa, Ásia e África.

A revolução cubana valorizou muito a cultura nacional. Como ocorreu o incentivo do governo revolucionário para que os trabalhadores tivessem acesso a cultura de boa qualidade?

Os avanços para imbricar Cultura à Revolução Cubana não são exclusivos do processo que teve início com a invasão do Quartel Moncada, em 26 de julho de 1953, mas estão enraizados nas lutas inconclusas do século XIX, que tiveram em José Martí seu expoente máximo. A história de Cuba produziu uma cultura de base contra hegemônica e promoveu um lado ativo a favor da justiça em sua forma radicalmente universal, que atingiu o seu período mais significativo após a vitória da Revolução em 1959, anos marcados pela ruptura da teoria e da prática da classe dominante como única depositária da Cultura.

Desde os primeiros meses após o triunfo revolucionário, foram aprovadas leis e tomadas decisões que favoreceram decisivamente o desenvolvimento da cultura: a criação do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica e a fundação da Casa das Américas. Além disso, gerou-se no Teatro Nacional de Cuba um espaço dinâmico  e permanente de produção artística. O primeiro grande movimento cultural foi a Campanha de Alfabetização de 1961, onde participaram milhares de jovens, entre eles muitos que mais tarde se tornariam grandes figuras das organizações de massa. Como afirmou Fidel Castro: “não iremos ensinar os cubanos a crer, vamos ensinar a ler”. A partir desse momento, as portas foram abertas a todos, dentro da vontade de democratizar a cultura na estratégia revolucionária, como mecanismo de aceleramento histórico na superação do atraso e na intermediação das ações organizativas do socialismo em formação. Embora alguns não o percebam e há quem até o negue, desde o exterior, hoje Cuba está sujeita a uma guerra cultural feroz de dimensões colossais. Face a isto, o papel da cultura, como atitude, na defesa da nação cubana é essencial, no sentido mais complexo e profundo, de toda a riqueza espiritual desse povo.

O samba está para o Brasil, assim como a salsa está para Cuba.  É correta a comparação?

A identificação cultural da Ilha com o Brasil torna-se relevante, quando adentramos nas formas de sociabilização e nas manifestações artísticas. Há muitos elementos que permitem inferir essa identidade, incluindo a nossa condição de ex-colônia, o extermínio das populações indígenas e a escravidão dos negros originários das mesmas famílias africanas, o que aproxima nossos traços físicos, fruto de uma mistura étnica semelhante à brasileira, o gingado de nossas músicas, a aproximação do samba e da salsa, nossas danças, a culinária e o próprio sincretismo religioso. As semelhanças são muitas, quando a cultura é considerada o fruto dinâmico das dimensões produtiva e social.

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