Tão logo assumiu, o Governo Bolsonaro deixou muito claro suas intenções de aumentar de forma indiscriminada a vazão do fluxo de cargas de granel vegetal no Porto de Santos. Fez isso, sem esconder que pretendia favorecer sobretudo a conexão ferroviária conquistada pela Rumo, do grupo Ometto, na região Centro-Oeste do país.
O primeiro movimento elaborado pela Autoridade Portuária, em perfeita harmonia com a Secretaria dos Portos do Ministério da Infraestrutura, foi anunciar, como lhe cabia, a elaboração de um Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto de Santos. O documento, inicialmente mantido sob sigilo, previa a expansão da ferrovia portuária, com a implantação de uma pera ferroviária, e a otimização dos armazéns na região mais urbanamente ocupada, a saber Outeirinhos, Macuco e Ponta da Praia.
Para viabilizar as cargas de retorno, o PDZ previa a criação de um terminal de manuseio de fertilizantes, com ênfase na manipulação mensal de 30 mil toneladas de nitrato de amônio, na região de Outeirinhos, contígua a hospitais e universidades dispostas naquela área.
A população da Baixada, notadamente Santos e Guarujá que dividem o estuário, se insurgiu contra a pretensão do Governo Federal pelas seguintes razões:
1. Em nenhum momento o PDZ pretendido foi apresentado, não na sua composição formal. Nunca apresentaram um relatório de impacto econômico. E muito menos ambiental ou urbano. Limitavam-se a dizer que iriam criar 60 mil novos postos de trabalho, sem indicar onde, de que maneira, a partir de que cálculos.
2. A população que reside, ou trabalha e estuda, naquela região já convivia com problemas respiratórios provocados pela poluição aérea originária da manipulação de granéis vegetais. Dados da Secretaria Municipal da Saúde de Santos indicam que a região está entre as primeiras em números de ocorrência de doenças respiratórias em todo o Estado de São Paulo. Além disso, a concentração de animais como pombos e ratos, contribuía para agravar os males sanitários.
3. A manipulação de 30 mil toneladas de Nitrato de Amônio revelava-se uma operação insegura, haja visto que se trata de substância naturalmente instável. Em 2020, uma explosão no porto de Beirute, no Líbano, de três mil toneladas do produto, quase provocou a destruição da cidade e seus efeitos foram sentidos num raio superior a 80 quilômetros.
4. A expansão ferroviária prevista no PDZ contemplava ainda o aumento das vias na região histórica do Valongo. Local tombado pelo Patrimônio Histórico por tratar-se de área original do porto. Aliás, alvo de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre a Autoridade Portuária e o Ministério Público do Estado de São Paulo, em 2018, cujo teor previa a reconstrução dos armazéns originais de 1 a 8 e a consequente transferência para o patrimônio urbano da cidade.
5. O novo PDZ indicava um recuo na disposição de administrações anteriores da Autoridade Portuária, no sentido de provocar gradativamente uma inversão da ocupação portuária, com a transferência da manipulação de contêineres para a região mais densamente ocupada e a de cargas de granel vegetal para regiões mais afastadas.
6. Perifericamente ao PDZ, a Autoridade Portuária decidiu, sem qualquer consulta e sem apresentar qualquer relatório de impacto ambiental ou de segurança, ancorar um navio-usina de regaseificação na Ilha Barnabé, de onde partiria um gasoduto, inicialmente pelo fundo do estuário e depois pela Serra do Mar, com destino a uma central no Planalto Paulista, mais precisamente nos distritos de Parelheiros e Marsilac, no município de São Paulo.
Diversas ações foram propostas contra a pretensão do governo federal perante o TCU, na Justiça Federal e na Justiça Estadual. Confrontado com a ausência de informações e de relatórios efetivos sejam econômicos como ambientais, no último ano de sua gestão, o Governo Federal decidiu lançar mão, a toque de caixa, de um processo de privatização da Autoridade Portuária.
A pretensão de privatização da Autoridade Portuária foi condenada por amplo setor de empresários ligados ao porto, além de especialistas da área, por contemplar um processo que foi totalmente rechaçado em outros terminais em todo o mundo. Além disso, o projeto apresentado não quantificava o patrimônio a ser transferido, estabelecia valores insignificantes de investimento em 30 anos, incluindo aí a construção da ligação seca (túnel) entre as duas margens do porto (Santos-Guarujá).
O processo encontra-se ativo, muito embora ainda dependa de deliberação do plenário do Tribunal de Contas da União, com relatório favorável das assessorias técnicas.
A privatização da Autoridade Portuária de Santos, se não houver uma intervenção do novo governo, pode culminar com a transformação do porto em um corredor exclusivo de cargas de granéis vegetais, inibir a ação de regulação do Estado, destruir a relação Porto-Cidade, e provocar prejuízos a atividade empresarial paulista, com o deslocamento do fluxo de cargas destinadas à exportação para os terminais de Vitória e Itajaí.
A comunidade portuária e a sociedade organizada de Santos e Guarujá estão mobilizadas para apresentar soluções de modernidade para o mais importante porto do Hemisfério Sul. Reafirmar a ligação Porto-Cidade e contribuir para o desenvolvimento da economia paulista e brasileira.
Também estão mobilizadas para enfrentar problemas ambientais históricos como a poluição das praias santistas e do estuário.
Francisco Nogueira, vereador, presidente do Settaport (Sindicato dos Empregados Terrestres em Transporte Aquaviário e Operadores Portuários do Estado de S.Paulo) e do diretório municipal do PT em Santos